29 setembro 2007

14 de Setembro: Ourense - Santiago de Compostela; 105 km

Caminho entre Ourense... ... e Santiago.
Bosque de carvalhos.
Chegada a Santiago. Esta quinta etapa estava prevista para acabar em a Ponte Ulla, mas afinal foi mesmo a última, embora com muito sacrifício na parte final.
Saída de Ourense com tempo fresco e céu nublado. Como a cidade de Ourense fica no vale do rio Minho, a etapa começava evidentemente a subir. Os primeiros cinco quilómetros são duríssimos, com uma inclinação muito acentuada, embora o piso seja um empedrado alternando com asfalto. A certa altura, as lajes de granito dão lugar a uma pista em terra e a inclinação vai-se suavizando.Como é costume em terras galegas, o caminho é um constante sobe e desce.
Mais adiante, a vegetação e as muitas zonas de pedra tornavam a progressão muito difícil para a bicicleta e tive que optar pela estrada. Estrada que vai subindo gradualmente até Castro de Dozón, já perto dos 900 metros de altitude, onde retomei o caminho e iniciei a descida, que apesar de ser por uma pista larga, tem muita gravilha.
Toda esta zona tem bastantes bosques de carvalhos, o que ajuda a superar as agruras do caminho. Por vezes parecia-me que apenas faltavam aparecer druidas, elfos e duendes, a par com música celta.
Ao chegar à estação de Lalín perdi-me e foi um galego bastante prestável que me reconduziu ao caminho.
Depois de mais um bocado a subir, parei em Silleda para almoçar, mas não consegui arranjar melhor que um bocadillo e uma cerveja. O tempo tinha aquecido e retomei o andamento. Ao passar na localidade de Bandeira, reparei numa pulpería e parei imediatamente. Um prato de polvo, pão e duas cervejas foram o combustível exacto para o resto da etapa.
O caminho continuava entre bosques, muito bonito, e assim cheguei a Ponte Ulla, depois de uma descida rapidíssima. Aqui, o Caminho Sanabrés atinge a sua cota mais baixa, a menos de cem metros de altitude. Sabendo que em Ponte Ulla não há albergue de peregrinos, tinha lido que alugavam quartos, pelo que entrei num bar para beber uma Kas de limão e perguntar por alojamento. O rapaz que me atendeu, muito simpático, informou-me que apenas poderia dormir numa antiga escola, pois não havia mais nada no pueblo.
Os mais de oitenta quilómetros de subidas e descidas desde Ourense tinham-me desgastado bastante, mas como ainda eram 17.00 resolvi rumar a Santiago.
Claro que para sair de Ponte Ulla é preciso subir, pelo que optei por começar por estrada, com menos inclinação do que o caminho. A N-525 tinha muito trânsito àquela hora e depois de passar uma zona em obras, retomei o caminho.
Eram precisamente 19.25 quando entrei na Praza do Obradoiro, ainda a tempo de ir selar e credencial e obter a respectiva Compostela.
Sendo o meu quinto Caminho de Santiago, este foi o que mais me marcou, por ter sido feito sempre só e atravessando zonas bastante agrestes e despovoadas.
Todos os riscos que corri e todas as dificuldades que enfentei foram amplamente compensadas pela beleza do caminho e pelo convívio com os poucos peregrinos que fui encontrando ao longo do caminho.

27 setembro 2007

13 de Setembro: A Gudiña - Ourense; 90 km

Barragem de As Portas

Chegada a Ourense Em A Gudiña o caminho apresenta duas opções: a primeira continua a acompanhar a N-525, passando por Verín e Xinzo de Limia; a segunda é bastante mais interessante, embora mais difícil, passando por Laza e Xunqueira de Ambía, com uma paisagem de cortar a respiração. Foi esta segunda opção que eu segui.
Novamente uma manhã fria e desta vez sem sol. Os primeiros vinte quilómetros são feitos sempre acima dos mil metros de altitude, em plena serra, passando apenas por quatro aldeias com meia dúzia de casas. À direita do caminho, lá em baixo, vê-se a barragem de As Portas e mais adiante as montanhas de Manzaneda; à esquerda avista-se o vale por onde passa a N-525.
O caminho alterna trilhos com estreitas estradas asfaltadas, cruzando por vezes a linha de caminho de ferro.
Antes de começar a descida para Campobecerros, encontrei dois veados, que rápidamente desapareceram. Aqui, a sensação de isolamento é muito grande, pois só se avistam montanhas completamente desabitadas.
A descida não é fácil, porque o piso é de terra e xisto, com pedras afiadas, mesmo próprias para cortar um pneu. Com cuidados redobrados lá cheguei a Campobecerros, que parecia uma localidade fantasma, sem ninguém à vista.
Depois de mais duas pequenas subidas, o caminho desce bruscamente para Laza. Embora seja quase sempre em estradão, há muita pedra solta e um precipício assustador do lado direito. Um despiste dava direito a rolar algumas centenas de metros quase a pique.
A seguir vinha aquela que o guia considerava a subida mais difícil do caminho: a Albergueria. À saída de Laza segue-se por uma pequena estrada, junto ao rio Tâmega, que vai subindo suavemente até Tamicelas. Entra-se então no monte e depois são cinco quilómetros com um desnível de quinhentos metros. Na sua maioria, a subida não é ciclável e não tem árvores, à excepção de pequenos pinheiros e arbustos rasteiros. Ou seja, não há sombra e entretanto o tempo tinha aquecido. A subida foi um martírio, com os mosquitos a ajudar à festa, não me dando descanso.
Já quase no final da subida, há um carvalho enorme, à sombra do qual eu parei para recuperar forças. Escusado será dizer que tive que gerir devidamente a água, para durar até ao topo do monte.
Na pequena aldeia de Albergueria há um bar, que infelizmente estava fechado. Estava lá um peregrino australiano, com quem parei a falar um bocado. Tinha tirado umas férias de dois anos e meio, andava a vaguear pela Europa e falava um bocadinho de português, por já ter estado no Brasil.
Segui o meu caminho, iniciando a descida para Xunqueira de Ambía, parando em Vilar do Barrio para repor água. Passei por uns peregrinos franceses, com quem estive uns momentos a falar sobre o caminho. Depois de uma zona plana, segue-se uma parte com contínuas subidas e descidas por um trilho difícil em que a progressão se torna muito lenta.
Almocei muito bem em Xunqueira e continuei o caminho em direcção a Ourense. Esta parte é pouco interessante, sendo quase sempre a descer e por estrada.
Cheguei a Ourense por volta das 17.00. Nesse dia não estava com grande vontade de ficar em albergues, por isso procurei um hostal barato, onde pudesse passar uma noite mais sossegada, sem ouvir ninguém a ressonar.
Dei uma pequena volta pelo centro da cidade, jantei e fui dormir.

12 de Setembro: Mombuey - A Gudiña; 86 km

Puebla de Sanabria
Padornelo
Ponte sobre o rio Pedro, antes de Lubián.
Santuário de la Tuiza Esta terceira etapa tinha montanha a sério: duas subidas a cerca de 1300 metros de altitude, o Padornelo e a Canda.
Quando saí de Mombuey estava bastante frio, pelo que acabei por ter que vestir o impermeável. Como o caminho continuava com vegetação muito densa, pedras e buracos, voltei à estrada, a N-525, práticamente sem trânsito por causa da auto-estrada.
Na bonita localidade de Puebla de Sanabria, parei para comer qualquer coisa e preparar a primeira subida do dia. Aqui abandona-se o rio Tera e passa-se a acompanhar o curso do rio Castro durante alguns quilómetros. O caminho segue junto ao rio, entre arbustos por vezes muito fechados e a impedir um avanço rápido.
Em Requejo fiz como aconselhava o guia e iniciei a subida ao Padornelo por estrada, pois o caminho não estava nas melhores condições para bicicletas. São dez quilómetros, que acabaram por ser mais fáceis do que eu esperava.
Em Aciberos retomei o caminho. Estava a menos de cinco quilómetros de Lubián, quase sempre a descer, mas pareceram o dobro. O caminho era duríssimo, quase todo com piso muito irregular, com pedra e raízes, o que me obrigou a desmontar inúmeras vezes. Ir sózinho não permite correr tantos riscos nas descidas. Para compensar, a zona é muito bonita; o caminho segue entre bosques de carvalhos, com muita sombra para atenuar o calor.
Finalmente cheguei a Lubián, terra de lobos, embora não tenha visto nenhum. Almocei no bar do pueblo; a manhã tinha sido puxadinha, cerca de sessenta quilómetros, pelo que comi demais, com umas "cañas" geladinhas a acompanhar.
Como estava bastante calor, resolvi parar no Santuário de la Tuiza para descansar e esperar que a temperatura baixasse um pouco, pois tinha uma subida de respeito pela frente. Estive lá cerca de duas horas, à sombra de um carvalho, até que, por volta das 17.00, resolvi fazer-me ao caminho.
Em Lubián tinham-me aconselhado a subir a Canda por estrada, porque o caminho estava muito fechado e quase intransitável, o que corroborava o que o guia dizia.
A conjugação de calor e asfalto nunca deu bom resultado, o que, a acrescentar a uma bicicleta carregada e com pneus de monte, tornou a subida muito pouco divertida.
Mas lá subi e pouco antes do túnel que faz a transição de Castilla y León para a Galiza passei por um ciclista que também fazia o caminho só, numa bicicleta híbrida.
A descida por estrada é rapidíssima e o calor passou num instante. Antes de chegar a A Gudiña, havia ainda que transpor o alto de O Cañizo, a 1085 metros de altitude.
Cheguei por volta das 19.00 e no albergue já se encontravam os dois ciclistas de Bilbao, que tinham feito a maior parte da etapa por estrada. O albergue de A Gudiña é excelente e esta foi a noite em que encontrei mais peregrinos: os dois de Bilbao, o ciclista solitário de A Coruña, um casal de ciclistas alemães, mais duas alemãs e um espanhol.
Depois de um duche em condições, fomos-nos abastecer ao supermercado e comemos no albergue. Mais uma vez, a conversa durou até acabar a cerveja, mas também já passava das 22.00 e eram horas de apagar as luzes.

25 setembro 2007

11 de Setembro: Riego del Camino - Mombuey; 91 km

Ponte sobre o rio Esla.
Igreja de Santa Marta de Tera. Tartaruga junto ao rio Tera.

Igreja de Mombuey. Saí de Riego del Camino numa manhã fresca e pensei ir tomar o pequeno-almoço a Granja de Moreruela, seis quilómetros mais adiante.
Mas encontrei tudo fechado e tive que seguir caminho. Nesta localidade, a Via da Prata bifurca-se, sendo aqui que começa verdadeiramente o Caminho Sanabrés. A paisagem vai começando a mudar, já se notam algumas colinas e mais vegetação; só a sinalização do caminho é que continua a apresentar algumas lacunas. O piso é bastante duro, com muita pedra solta.
Atravessei o rio Esla e segui por estrada em direcção a Faramontanos de Tábara, onde reabasteci de água. Continuei por estrada até Tábara, onde finalmente encontrei um café para tomar o pequeno-almoço; foram 32 quilómetros em jejum.
A partir de Tábara, o caminho muda um pouco: além de já se avistarem as montanhas de Sanábria, surgem as primeiras subidas e o caminho atravessa uma zona despovoada, tornando-se bastante solitário. Foi nesta zona que uma raposa atravessou o caminho mesmo diante de mim. Apesar de algum receio pelo isolamento, gostei bastante deste percurso.
Pouco antes de Santa Croya de Tera, encontrei dois ciclistas que também faziam o caminho; eram de Bilbao e tinham começado em Sevilha. Parei em Santa Marta de Tera, para visitar a igreja românica onde está a estátua de Santiago peregrino.
Daqui para a frente, o caminho segue o curso do rio Tera, tornando-se bastante mais agradável, com zonas de choupos e consequentemente com sombra. Encontrei uma tartaruga em pleno caminho, conforme podem ver na fotografia anexa.
Parei para almoçar em Olleros de Tera, no único café que encontrei. No final do almoço estava bastante calor e parei um pouco a descansar.
Segui por estrada até Rionegro del Puente, onde retomei o caminho. Faltavam apenas dez quilómetros para o fim da etapa, embora fossem em subida. No entanto, a subida era constante mas suave; pior era o mau estado do piso, com vegetação densa a tapar os muitos buracos do caminho.
Cheguei a Mombuey por volta das 17.00 e procurei o albergue. Tinha lido no meu guia que era um simples refúgio com poucas comodidades, pelo que, quando me deram as chaves e me indicaram o local, fiquei um bocado apreensivo.
Era uma pequena casa em pedra, de um só piso, com telhado de madeira. Dispunha de uma divisão com alguns colchões e uma casa de banho, ou seja, o básico. Ainda hesitei entre ficar ali ou procurar alojamento noutro lugar, mas o espírito de peregrino fez-me ficar, e ainda bem.
Como não havia mais ninguém e ainda era cedo, instalei-me sem pressas, tomei banho e saí para beber umas cervejas e fazer tempo para o jantar. Estava numa esplanada junto à estrada, quando aparecerem os dois ciclistas de Bilbao; afinal ia ter companhia, além das aranhas. Fui levá-los ao albergue e voltei para o café. Passado algum tempo, encontrei-os junto ao supermercado do pueblo e combinámos jantar no albergue, pelo que fui fazer umas compras: pão, queijo e cerveja para o jantar; sumos, fruta e bolos para o pequeno-almoço do dia seguinte.
Comemos no albergue, conversámos até a cerveja acabar e fomos dormir. Até me consegui esquecer das muitas teias de aranha que cobriam o tecto e as paredes. No terceiro dia começavam as montanhas a sério.

10 de Setembro: Salamanca - Riego del Camino; 105 km

Catedral de Salamanca.


Zamora
Castelo de Castrotorafe.


Tinha chegado a Salamanca no dia anterior e a primeira coisa que fiz foi procurar o albergue para saber se podia aí ficar.

O albergue, que fica junto à catedral, está à responsabilidade de um casal de franceses, os quais foram muito simpáticos comigo, principalmente quando souberam que eu falava a língua deles. No entanto, regras rígidas a cumprir: entrada até às 22.00 e saída de manhã até às 8.00.

Ainda tive tempo para dar uma pequena volta pelo centro histórico de Salamanca, uma cidade não muito grande, talvez como Braga, mas muito bonita. Um jantar leve e de volta para o albergue.

Apesar das boas condições do albergue, dormi mal. Creio que só havia mais um peregrino, nessa noite, além do casal francês.

Saí antes das 8.00 e encontrei a cidade práticamente deserta, com tudo fechado. Parei numa bomba de gasolina à saída da cidade, para comprar algo para comer e arranquei para a primeira etapa.

Já tinha visto na véspera que ia ser uma etapa predominantemente plana. Para quem vive numa zona verde e montanhosa, a paisagem deste primeiro dia foi o oposto total: longas planícies amarelas a perder de vista, ligeiramente onduladas. A linha do horizonte era sempre igual, acentuando a solidão da paisagem. Felizmente, a manhã estava fresca, porque nem quero imaginar o que seria atravessar aquela estepe com calor.

Devido às obras duma auto-estrada e à deficiente sinalização, enganei-me por duas vezes, mas logo corriji e encontrei o caminho.

Paragem em El Cubo de la Tierra del Vino para reabastecer água e cheguei a Zamora antes das 14.00. Mais uma cidade encantadora; fotografias do Rio Douro e da catedral e deixei a cidade, parando para almoçar em Roales del Pan.

Entretanto, o tempo aquecera e parei cerca de uma hora no largo do pueblo. A tarde prometia a continuação do que fora a manhã. Apenas se avistavam algumas azinheiras espaçadas nos campos, mas sombra junto ao caminho era coisa que não existia.

Até Montamarta, o caminho é quase como uma recta interminável; são doze quilómetros sem mais nada a não ser o amarelo dos campos.

Devido ao calor, tive que racionar a água até Montamarta e aí parei num bar para comprar água para o resto da jornada, pois faltavam apenas dezasseis quilómetros para chegar a Riego.

Passei nas ruínas de Castrotorafe, uma povoação abandonada no século XVI e de que apenas restam algumas paredes de casas, assim como um bocado do castelo. Foi esquisita a sensação de estar sózinho naquele local abandonado.

Cheguei a Riego del Camino e logo à entrada do pueblo, no Bar Pepe, estava um peregrino que me indicou onde ficava o albergue. Como a porta estava fechada, pois não havia mais peregrinos, perguntei onde podia encontrar o responsável. Indicaram-me a casa da "alcaldesa", de seu nome Dorita, que era quem geria o albergue. Lá fui bater à porta e a senhora acompanhou-me ao local, uma casa com algumas camaratas, cozinha e duche quente, ou seja, o necessário para um peregrino repousar. Disse-lhe que tinha passado por dois peregrinos pouco antes, pelo que também deveriam estar a chegar. A "alcaldesa" foi tão simpática que até se prontificou a fazer-nos arroz doce para o pequeno-almoço do dia seguinte.

Nessa noite éramos quatro no albergue e fomos beber umas cervejas e jantar ao Bar Pepe, o único do pueblo. Os outros companheiros caminhantes eram de Madrid, de Cádiz e um era francês.

Depois de muita conversa e alguns copos, rumámos ao albergue, atravessando as ruas desertas e sem iluminação daquela pequena aldeia castelhana.


21 setembro 2007

Caminho Sanabrés da Via da Prata

Os caminhos de Santiago são um vírus que, depois de se introduzir no corpo, nunca mais o abandona. Pelo menos comigo é assim.
Quando acabei o meu caminho francês, já tinha em mente o desafio seguinte. Assim, comecei a preparar o caminho que vou de seguida relatar.
A Via da Prata é um caminho antigo que começa em Sevilha e vai até Astorga, onde se une ao Caminho Francês rumo a Santiago. No entanto, um pouco a norte de Zamora, existem algumas variantes, que permitem chegar a Santiago sem coincidir com o Caminho Francês.
Uma das variantes é conhecida como Caminho Sanabrés, pois atravessa as terras de Sanabria, na província de Zamora, entrando na Galiza pela província de Ourense. A separação faz-se em Granja de Moreruela, uma pequena localidade castelhana a norte de Zamora.
Foi este o caminho que eu decidi fazer. Para tal, além de muita informação recolhida na Internet, comprei um guia - Ruta del Camino Fonseca - que se viria a revelar de extrema utilidade, pois evitou que me perdesse durante os quase 500 quilómetros que percorri.
Este caminho, sendo pouco transitado, não está tão bem sinalizado como outros caminhos de Santiago, nomeadamente na parte de Castilla y León. Há cruzamentos sem qualquer sinalização ou com marcas semi-apagadas ou pouco visíveis.
Além disso, é um caminho extremamente solitário. Não só por ser pouco transitado, mas também porque as distâncias entre localidades são por vezes de muitos quilómetros. Como eu empreendi esta aventura sózinho, o sentimento de solidão acentuava-se nas zonas mais despovoadas, embora tivesse sido uma experiência fabulosa que eu não hesitaria em repetir.
É claro que corri alguns riscos, já que passei horas sem ver gente ou casas, mas a sensação de isolamento, de estar entregue a mim e à minha bicicleta, compensou os riscos e a dureza do caminho.
O caminho é bastante duro. Como tem pouco trânsito, apresenta zonas muito fechadas pela vegetação e o piso nem sempre é propício a pedalar. Houve várias subidas em que tive que optar pela estrada e em algumas descidas tive que carregar a bicicleta, por causa dos buracos e das pedras.
Como só dispunha de uma semana livre, optei por começar o caminho em Salamanca, tencionando cumpri-lo em seis dias. Acabaria por fazê-lo em cinco, alongando a última etapa, pelos motivos que adiante explicarei.

28 junho 2007

9 de Junho: Amenal - Santiago de Compostela; 19 km

Monte do Gozo.
Catedral de Santiago.
A minha fiel companheira d
urante o caminho: uma Trek Fuel 98 em carbono.
Levantámo-nos tarde, tomámos o peque-almoço, lavámos as bikes e saímos por volta do meio-dia. O dia estava de sol e com temperatura amena.
Tínhamos que fazer tempo até ao princípio da tarde, por isso fomos pedalando sem pressa. Subimos o Monte do Gozo, a última dificuldade do caminho, a cinco quilómetros de Santiago. Enquanto bebíamos uma cerveja, conversámos com um peregrino que já tinha atravessado grande parte da Europa a caminhar. Vinha da Bósnia e até já tinha passado em Portugal; depois seguiria caminho até ao Vaticano e a seguir até Jerusalém. Tudo documentado com os carimbos dos locais onde estivera. Fantástico!
Ao entrar em Santiago, parámos para almoçar num restaurante italiano; uma refeição leve, mas a pedir duas garrafas de Lambrusco.
Chegámos à Praza do Obradoiro à hora combinada, as esposas dos meus companheiros lá estavam para os fotografar depois desta épica aventura.
A chegada à Catedral de Santiago é uma experiência que não se pode descrever em palavras; o objectivo final depois de tantos quilómetros em cima da bicicleta estava diante de mim.
Fomos à Oficina do Peregrino buscar a Compostela, que é um documento que atesta o cumprimento da peregrinação.
Chegara a hora das despedidas. Eles ficariam essa noite em Santiago e regressavam a Barcelona no domingo. Eu tinha que esperar que me viessem buscar para regressar a Braga.
Apesar de nos conhecermos apenas há nove dias, tínhamos atravessado o norte de Espanha juntos, dos Pirinéus ao Atlântico: foram quase 800 km de sacrifício mas acima de tudo de bons momentos.
Para mim foi o realizar de um sonho antigo e apesar de estar mentalizado para fazer o caminho sózinho, reconheço que foi mais agradável e divertido fazê-lo com os meus três amigos catalães.
Para finalizar, deixo aqui as palavras que mais vezes proferi durante o caminho, ao passar por outros peregrinos: Buen Camino!

8 de Junho: Portomarín - Amenal; 73 km

Catedral de Portomarín.
Marco que assinala a entrada na província da Coruña.
Melide.

Neste dia o telemóvel não tocou para despertar e eu e o Jacky acordámos com os nossos colegas a bater à porta do quarto. Consequentemente saímos duas horas mais tarde que o habitual. Mas não havia pressa, porque podíamos chegar a Santiago no mesmo dia.
Mas os meus companheiros só queriam chegar no dia seguinte, porque as respectivas esposas iam buscá-los a Santiago no sábado e só chegavam por volta das 15.00, mas queriam vê-los a entrar na Praza do Obradoiro em cima das bikes. Assim, resolvemos ir até perto de Santiago e deixar alguns quilómetros para o dia seguinte.
A etapa desse dia era de constante sobe e desce. Sem dificuldades aparentes, acaba por massacrar bastante as pernas. Saímos de Portomarín com tempo fresco e céu encoberto, perfeito para pedalar. Como já vinha sendo hábito, o dia começava com uma subida.
Fizémos parte da manhã em conjunto com os dois outros grupos de ciclistas, mas a certa altura eles seguiram pela estrada e nós continuámos pelo caminho.
Acabámos por os reencontrar em Melide, na pulpería onde parámos para almoçar. O polvo estava fantástico e foi bem regado com cerveja e vinho tinto.
Depois do almoço começou a chover, o que até me soube bem. Aliás, a paisagem galega e o tempo fresco e húmido faziam-me sentir em casa. Curiosamente e apesar dos mais de 700 quilómetros nas pernas e da tendinite, nesse dia sentia-me numa forma fantástica.
Já perto de Santiago, tivémos dificuldades em arranjar alojamento, pois havias festas na zona e estava tudo cheio.
À noite apanhámos um táxi e fomos jantar a Santiago com os restantes companheiros ciclistas. Foi um jantar memorável. Comemos, bebemos e fizemos a festa. Saímos do restaurante à 1.30 da madrugada depois de muita cerveja, albariño e chupitos.

7 de Junho; Villafranca del Bierzo - Portomarín; 91 km

O Cebreiro
Km 100: já faltava pouco.
Portomarín e o rio Miño.

Esta era a etapa-rainha do Caminho Francês de Santiago. A subida ao Cebreiro é a mais temida e tem algo de místico para todos os que fazem o caminho, além de ser a porta de entrada na Galiza.
Saímos de Villafranca com 8 graus, mas com céu azul. Os primeiros vinte quilómetros são quase planos. O caminho segue entalado entre montanhas junto ao rio Valcarce, além de acompanhar e cruzar várias vezes a nacional 6 e a auto-estrada. Apesar de estar sol, toda essa parte era sombria e fria.
A partir de Herrerías começava a parte a doer. Cruza-se mais uma vez o rio e entra-se numa estrada secundária, em asfalto. Há indicações para os ciclistas seguirem pela estrada, enquanto os peregrinos a pé podem ir pelo caminho. A subida é tremenda; até ao Cebreiro são quase dez quilómetros, mas sem zonas de recuperação. Apenas ao atravessar Laguna de Castilla - o último pueblo da província de León - se consegue recuperar um bocado. Demorámos três horas para fazer os 28 km de Villafranca ao Cebreiro.
A minha tendinite tinha-se agravado bastante e o joelho doía-me imenso; foi com muito sacrifício que fiz esta subida, mas nem imaginava o que vinha a seguir. O Cebreiro está a 1300 metros de altitude e a seguir não se desce, bem pelo contrário. Ou melhor, desce-se um pouco para logo voltar a subir. Há mais duas subidas, com bastante gravilha, a última culmina no alto do Poio, a 1313 metros, onde começa a descida para Triacastela. Parámos para beber a primeira cerveja na Galiza e iniciámos a descida. Tinham-nos aconselhado a descer pela estrada, por ser mais seguro para os ciclistas, mas após os primeiros quilómetros metemos pelo caminho e não nos arrependemos. A descida era belíssima, embora tivesse partes onde o bom senso aconselhava a não abusar, além do cuidado a ter com os peregrinos que vão a caminhar. A parte final, através de bosques, é muito bonita.
Parámos em Triacastela para almoçar e repor forças para a tarde, pois as dificuldades ainda não tinham acabado. A tarde estava quente e levámos logo com a subida de San Xil, para ajudar à digestão. Depois havia uma longa descida até Sarria, onde parámos para mais uma cerveja e para eu ir à farmácia comprar um anti-inflamatório.
O caminho continua numa sucessão de subidas e descidas típicas dos caminhos galegos e passámos o km 100, que nos dá um alento extra para o que ainda falta.
A entrada em Portomarín faz-se cruzando a ponte sobre o rio Miño. Arranjámos alojamento num hostal junto à catedral e jantámos numa esplanada vizinha. Jantámos em conjunto com os quatro ciclistas de Huesca e os dois catalães e o jantar prolongou-se até tarde, pois a sensação de estar perto de Santiago já nos dava vontade de festejar antecipadamente. O jantar constou de diversas tapas acompanhadas por Albariño (sim, Albariño galego, que também é muito bom).
Mas a dureza do dia justificava que se comemorasse devidamente.

27 junho 2007

6 de Junho: Astorga - Villafranca del Bierzo; 80 km

Cruz de Ferro.
Depois de Astorga: início da subida.

Molinaseca
Ao sexto dia começavam as etapas de montanha. Era o dia da subida à Cruz de Ferro, acima dos 1500 metros de altitude.
Mais um dia de céu azul e a prometer calor. Saímos de Astorga e passámos numa pequena capela, de onde se podiam retirar uns papéis, em várias línguas, com uma oração referente ao Caminho.
Os primeiros quilómetros foram agradáveis; o caminho subia suavemente e o piso era bom, pelo que deu para aquecer os músculos para a subida. Nesta manhã, passámos por muitos peregrinos a pé; aliás, à medida que nos aproximávamos de Santiago, iam aumentando os peregrinos.
Não se pode dizer que a subida à Cruz de Ferro seja muito exigente, embora os últimos quilómetros custem um bocado. O desnível aumenta e o caminho torna-se mais técnico, com muita pedra solta. Chegados à Cruz de Ferro e depois das fotografias da praxe, desce-se um bocado para logo voltar a subir e atingir a cota mais alta do Caminho Francês, a 1515 metros.
A descida não foi feita pelo caminho, já que é altamente recomendado aos ciclistas fazê-la pela estrada. E mesmo assim é uma descida vertiginosa, em que os travões sofrem imenso. Até Molinaseca são onze quilómetros e 900 metros de desnível. Passámos em Acebo, uma pequena localidade muito bonita a meio da descida.
Molinaseca tem uma piscina natural no rio que atravessa a vila. A água é retida com uma comporta e forma uma piscina.
Parámos em Ponferrada para almoçar e para o Jacky levar a bike a uma oficina, pois estava a perder óleo no travão traseiro. Almoçámos num restaurante italiano, naquela que terá sido uma das melhores refeições do caminho.
Como estava muito calor e a oficina só reabria às 16.30, sentámo-nos numa esplanada, à sombra, para fazer tempo. Fizemos a "siesta" e só arrancámos já passava das 17.00. A saída de Ponferrada também foi complicada porque a sinalização era escassa.
Até Cacabelos o caminho era fácil, mas depois havia três subidas com muita pedra o que, a acrescentar ao calor, tornaram o final da etapa algo penoso.
Chegámos a Villafranca del Bierzo ao final da tarde e tratámos de arranjar alojamento. Jantámos numa esplanada na praça central da vila já com a perspectiva da subida ao Cebreiro no dia seguinte.

26 junho 2007

5 de Junho: Sahagun - Astorga; 112 km

Chegada a León.
Catedral de León.
Catedral de Astorga.

Esta foi uma das etapas menos interessantes, porque não tinha grandes dificuldades, exceptuando a longa quilometragem.
O dia amanheceu fresco mas com um céu azul, a prenunciar um dia quente. A manhã não teve muito que contar, já que o percurso era essencialmente plano, em parte por estradas secundárias.
Deu para relaxar e conversar um pouco enquanto pedalávamos. Antes de León aproveitámos para lavar e lubrificar as bikes, já a pensar nos dias seguintes, em que iam começar as subidas a sério.
Almoçámos em León, tirámos fotografias e estivémos algum tempo numa esplanada a tomar café e a comer um gelado. Não havia pressa e a tarde estava quente.
Sair de León foi complicado; a sinalização era escassa e perdemos bastante tempo até encontrar o caminho.
Até Astorga tínhamos ainda cerca de 50 km, que decorrem por um caminho quase sempre paralelo à estrada nacional 120. O piso é em gravilha e acaba por se tornar algo aborrecido. Para mim foi complicado, porque a lesão que me apoquentava não dava sinais de abrandar.
Antes de Astorga, há uma subida com bastante pedra, que acabou por ser a parte mais difícil do dia.
Astorga é uma cidade pequena, mas tem uma catedral belíssima.
Instalámo-nos num hostal, por sinal o pior de todo o caminho, mas compensámos com um excelente jantar num restaurante italiano, devidamente regado com Lambrusco.
O nosso pensamento estava já na subida à Cruz de Ferro, que nos esperava no dia seguinte.

23 junho 2007

4 de Junho: Burgos - Sahagun; 125 km

Castrojeriz
Alto de Mostelares
Entrada em Carrión de los Condes

Começámos o dia a consertar um furo na bicicleta do Josep Lluis.
Saímos de Burgos com o céu encoberto e frio. Inicialmente estava previsto acabar a etapa em Carrión de los Condes, mas a manhã correu muito bem, o perfil da etapa não era difícil, à excepção de uma subida e deu para avançar a bom ritmo.
A paisagem mantinha-se igual ao dia anterior: campos de trigo e colinas verdes. Ao longo da manhã o sol foi rompendo as nuvens e o tempo começou a aquecer, mas perfeitamente suportável. O meu maior receio nesta zona de Espanha era o calor, mas acabei por ter que enfrentar um inimigo bem diferente: uma tendinite e uma inflamação no joelho esquerdo.
Para quebrar a monotonia da manhã, tivemos uma subida bastante dura: o alto de Mostelares. Não eram mais de dois quilómetros, mas com um desnível acentuado. A descida, por seu lado, era vertiginosa e tornava-se perigosa porque o piso era de gravilha. Com o peso da bagagem, torna-se mais complicado controlar a bike nas descidas.
Parámos em Frómista para almoçar e eu tive que comer novamente um bocadillo de tortilla com batatas, acompanhado das cervejas habituais. Estava bastante calor e arrancámos com calma. Um dos meus companheiros, o Jacky, estava a ter problemas com o travão traseiro, pelo que tivemos que parar em Carrión de los Condes, numa oficina, para solucionar o problema. Eu aproveitei para ir a uma farmácia comprar pomada anti-inflamatória, já que as dores no tendão estavam a aumentar. De referir que o Jose Luis era médico e todos eles vinham apetrechados com pomada e comprimidos anti-inflamatórios, entre outras coisas.
Como ainda era cedo, resolvemos continuar e, se possível, chegar a Sahagun.
Seguimos viagem e enfrentámos uma das partes mais solitárias do caminho: um troço de quase vinte quilómetros sem avistar sequer uma casa. Percorremos um bocado da calçada romana que ligava Bordéus a Astorga. Aqui, o Josep Lluis teve um furo, que seria o último de todo o caminho.
Nesta etapa encontrámos um grupo de ciclistas de Huesca, uma ciclista incluída, que também faziam o caminho e também dois catalães. Estes dois grupos iriam cruzar-se connosco todos os dias até final, pelo que chegámos a fazer alguns quilómetros em conjunto. Apesar de eles fazerem algumas partes por estrada, acabámos por nos encontrar em todos os finais de etapa até Santiago.
Os albergues por onde íamos passando estavam invariávelmente cheios. Quando chegámos a Sahagun, fomos ao albergue, que ainda tinha lugares. Pagámos quatro euros e subimos às camaratas, mas as condições não eram as melhores, pelo que saímos e ficámos num hostal do outro lado da rua.
Depois do banho, como já era um pouco tarde, resolvemos comer no hostal, onde também estava a jantar o grupo de Huesca e assim acabou o dia.

22 junho 2007

3 de Junho: Azofra - Burgos; 90 km


Igreja em Burgos.
Catedral de Burgos.

Terceiro dia do caminho. Conforme havia sido combinado na véspera, os meus três companheiros telefonaram-me de Nájera e eu disse-lhes que esperava por eles em Azofra.
Enquanto esperava, tomei o pequeno-almoço e preparei a bike. Arrancámos para uma etapa em que se previam algumas dificuldades. Os primeiros 60 km eram predominantemente a subir e pela primeira vez iríamos ultrapassar os mil metros de altitude.
Deixámos a região de La Rioja e entrámos em Castilla y León. Encontrámos um grupo de mexicanas que também faziam o caminho em bicicleta, mas vinham com carro de apoio.
Até chegar a Villafranca Montes de Oca não houve grandes problemas. O dia tinha começado fresco, mas ia aquecendo gradualmente. Logo à saída de Villafranca, uma rampa bastante acentuada preparou-nos para a subida que se avizinhava. Foram cerca de cinco quilómetros sempre a subir, com zonas de maior inclinação. Mas, chegados ao alto, pudemos disfrutar de uma paisagem fantástica sobre as serras da província de Burgos.
Para compensar a dureza da subida, seguiu-se uma zona de bosques, a princípio plana e depois a descer suavemente. Durante cerca de sete quilómetros deu para pedalar com rapidez, quase sempre no prato grande. O caminho era largo, com bom piso e muito rápido, embora tivesse algumas partes com pedra solta.
Parámos para almoçar em San Juán de Ortega, um pueblo muito pequeno, mas onde comi um excelente bocadillo de tortilla com batatas, acompanhado por duas cervejas.
Para Burgos faltavam menos de trinta quilómetros, que foram feitos sem problemas. Na parte final, o caminho corre quase sempre paralelo à estrada nacional 120. Chegámos a Burgos às 17.00 e fomos procurar o albergue. Como estava quase cheio, informáram-nos que teríamos de esperar até às 19.00, pois os peregrinos a pé têm prioridade.Resolvemos ir procurar alojamento e ficámos num hostal ali perto.
Como tínhamos chegado cedo, fomos para o centro histórico de Burgos e visitámos a catedral, que é muito bonita. O jantar foi excelente, os espanhóis também sabem fazer leitão (cochinillo) e o vinho de La Rioja acompanhou muito bem.
Após três dias de caminho, sentia-me muito bem físicamente e preparava-me para as etapas mais planas de Castilla, antes da entrada na Galiza, onde começariam as verdadeiras dificuldades.

20 junho 2007

2 de Junho: Puente la Reina - Azofra; 114 km

Fonte do vinho, em Irache.
Pormenor do caminho.
Igreja em Estella/Lizarra.
O dia começou fresco mas sem chuva. Esta etapa, que teóricamente não apresentava grandes dificuldades, acabou por ser extremamente cansativa e o final foi mesmo penoso.
Sem subidas muito exigentes, foi contudo um constante sobe e desce, que se torna num verdadeiro rompe-pernas.
Passámos na fonte do vinho, junto ao mosteiro de Irache. A paisagem é muito bonita, quase sempre através de vinhas e campos de trigo, que nesta época estão todos verdes. Esta é a famosa zona de vinhos de La Rioja.
O almoço foi em Viana, mais uma vez um bocadillo e cervejas. Nessa altura, já tínhamos percorrido mais de 60 km e não imaginavamos o que nos esperava de tarde.
Antes de chegar a Logroño, encontrámos uma senhora, que tem uma banca montada junto ao caminho, com água e o seu carimbo para os peregrinos. Segundo nos contou, já a sua mãe havia feito o mesmo durante vinte anos. Já é uma figura típica do caminho.
Atravessar Logroño foi complicado, como de resto em todas as cidades grandes. As flechas amarelas quase que desaparecem e resta-nos a solução de pedir a colaboração dos habitantes, nem sempre bem informados sobre o caminho.
A parte final da etapa reservava-nos uma subida puxadinha. Além de nos termos perdido numa zona em que o caminho se cruza com as obras de uma auto-estrada, fizemos um pequeno troço por estrada, a subir, que custou bastante.
Chegámos a Nájera ao final da tarde. O albergue estava cheio. Havia a possibilidade de dormir no pavilhão desportivo, mas no chão: nem pensar, depois de um dia destes. Como era sábado, informaram-nos que seria difícil arranjar alojamento na localidade. Os meus três companheiros tinham combinado com um amigo encontrar-se e jantar em Nájera nessa noite, pelo que tentaram, e conseguiram, um quarto num hostal.
Eu segui viagem, sózinho, para a localidade seguinte. Ficava apenas a 6 km, mas avisaram-me que era quase sempre a subir. Com mais de 100 km nas pernas e sem ter a certeza de conseguir alojamento, lá me fiz ao caminho. Pedalei como não imaginava que ainda o conseguisse naquela altura e cheguei a Azofra exausto.
O albergue estava cheio, mas a senhora que lá estava disse-me que podia dormir na escola do pueblo, para onde já tinha encaminhado outros ciclistas. Além disso, podia tomar banho no albergue. Paguei 5 euros, tomei banho, o albergue era excelente, e de seguida fui para a escola. Numa sala de aulas no primeiro andar tinham colocado algumas camas, com um colchão. Havia uma casa de banho e as bikes podiam ficar dentro da sala.
Fui jantar sózinho, estava esfomeado e só pensava em comer e beber umas cervejas. Foi o que fiz, de tal maneira que no final me arrependi de ter comido tanto para dormir de seguida.
Custou-me a adormecer, mas acabei por dormir melhor do que pensava.

19 junho 2007

1 de Junho: Roncesvalles - Puente la Reina; 68 km




O primeiro dia amanheceu com chuva e frio. Fui buscar a bicicleta, montei o porta-bagagens e fui de seguida tomar o pequeno-almoço.


Mal saí da pousada, lamentei o facto de só ter trazido calções curtos e luvas sem dedos. Não estariam mais de 5 graus e a chuva aumentava o desconforto. Fui-me mentalizando para o que me esperava neste primeiro dia: frio e lama.


Pequeno-almoço tomado, aguardava uma aberta na chuva para começar o meu caminho, quando apareceram três ciclistas a abrigar-se na entrada da pousada. Como a chuva não dava sinais de passar, fomos conversando sobre o que nos tinha levado ali. Eles eram catalães, de Barcelona e também pretendiam fazer o Caminho Francês, mas em nove dias. Estavam bastante melhor equipados do que eu, já que traziam perneiras, camisolas térmicas e luvas com dedos.


Entretanto, a chuva abrandou e eles perguntaram-me se arrancava com eles. Lá fui e acabámos por fazer o caminho juntos até ao fim. Aqui ficam os respectivos nomes: Jacky, Jose Luis e Josep Lluis.


Ao fim dos primeiros metros, já me encontrava coberto de lama. A chuva não deu tréguas durante a manhã e o frio só se foi atenuando à medida que a altitude baixava. Dessa manhã recordo a descida a seguir ao Alto de Erro, com muita pedra, lama, escorregadia e perigosa. Houve zonas em que tivemos que desmontar das bikes e empurrá-las. Recordo também um single-track, junto a um rio, simplesmente fabuloso. Passámos pelo sítio em que se presta homenagem a um peregrino japonês que morreu no caminho. Estava lá um peregrino francês, com barbas brancas e já de idade avançada, que vinha a caminhar desde a sua casa; ia fazer 2000 km até Santiago e depois regressava também a pé.


Chegámos a Pamplona cobertos de lama e resolvemos parar para almoçar. Um bocadillo e umas cervejas foram o suficiente para reanimar, já que após Pamplona tínhamos a subida mais difícil do dia.


Passámos numa estação de serviço para lavar as bikes, que bem precisavam, e deixámos a cidade de Pamplona para trás. O tempo tinha melhorado. Já não chovia e a temperatura estava mais amena.


O Alto del Perdón estava envolto por nuvens quando iniciamos a subida. Posso dizer que não achei que fosse tão difícil como se dizia; aliás, o que me assustava era a descida, pois recomendavam aos ciclistas para descerem pela estrada.


Chegados ao alto, tirámos algumas fotografias junto ao monumento aos peregrinos. Como a chuva tinha parado, resolvemos arriscar a descida pelo caminho, apesar das recomendações.
Aquilo parecia um rio de pedras. Toda a descida estava coberta por um tapete de pedras soltas, que tornava o controlo da bike muito difícil. Contudo, apesar do massacre que foi para o corpo e para as máquinas, ninguém caiu e chegámos a salvo a Puente la Reina. Com outras condições atmosféricas, seguramente que poderíamos ter feito mais quilómetros, mas para primeiro dia não estava mal.
Destaco nesta etapa a localidade de Obanos, um pueblo pequeno mas muito bonito.
Instalámo-nos no albergue de peregrinos, com sítio para guardar bicicletas e com condições razoáveis.
Nesse dia, ao jantar, optámos pelo menú do peregrino: sopa de grão-de-bico, frango, sobremesa, pão e vinho.
No fim de jantar recolhemos ao albergue já a pensar no dia seguinte.





15 junho 2007

Dia 0 - 31 Maio

O dia tão esperado tinha finalmente chegado. O comboio partia de Vigo às 07.35, em Portugal era uma hora a menos, pelo que houve que madrugar. O meu irmão João Pedro veio-me buscar a casa às 05.15 e seguimos para Vigo.
O dia estava de chuva, tal como os anteriores. Passada uma hora, estávamos na estação de Vigo, quase deserta àquela hora. Como a viagem ia ser longa, comprei uma revista para entreter, despedi-me do meu irmão e entrei na carruagem, de onde só iria sair passadas quase 10 horas.
A viagem foi aborrecida, como é evidente. O tempo custava a passar e apesar de ter dormido pouco nessa noite, não tinha sono nenhum. Nem sono nem fome, de maneira que nem almocei. A paisagem ia passando e eu ia-me vendo aquilo que teria de atravessar em sentido inverso nos dias seguintes.
Reconheço que ia apreensivo, mas desejoso de começar. Além disso, esperava que a bicicleta tivesse chegado em boas condições.
Às 17.15 cheguei a Pamplona. Ainda na estação comi um bocadillo e saí. Sabia que havia um autocarro para Roncesvalles às 18.00, mas fui perguntar a um taxista quanto ficava a viagem em táxi. Respondeu-me que seriam € 55,00, pelo que lhe pedi que me levasse à estação das camionetas.
Faltavam 10 minutos para as seis, comprei o bilhete (€ 4,50) e esperei pela chegada da camioneta, junto com muitos peregrinos que estavam lá pela mesma razão. Posso dizer que aqui tive o primeiro contacto com o ambiente do caminho.
A viagem demorou cerca de hora e meia, o tempo continuava instável, com aguaceiros a alternar com o sol.
Mal cheguei a Roncesvalles, fui pousar as minhas coisas à Pousada e perguntar pela bicicleta. Tinha chegado, felizmente, mas só a iria preparar mais tarde, porque antes tinha muito que fazer.
Pedi para me reservarem um menu do pregrino (€ 8,00) e foi-me dito que seria servido às 20.30 em ponto.
Fui à Colegiata para pedir a credencial onde iria pôr os carimbos ao longo do percurso. A Colegiata tinha fechado há pouco, mas informaram-me que poderia obter a credencial no albergue de peregrinos. Fui atendido por duas senhoras que não falavam espanhol e paguei um euro.
De seguida fui à missa do peregrino, que começava às 20.00. Esta missa é obrigatória e é muito bonita: foi celebrada por quatro padres e no final procederam à bênção dos peregrinos presentes.
Como a missa acabou cinco minutos depois das 20.30, dirigi-me de imediato para a pousada, curioso com a necessidade de ser pontual para o jantar.
Quando entrei no restaurante, encaminharam-me para uma mesa e só aí percebi o porquê de o jantar ser às 20.30 em ponto. Numa mesa redonda encontravam-se já algumas pessoas a que me juntei. No total seríamos cerca de doze pessoas e o jantar foi servido em conjunto: sopa de feijão vermelho, truta com batatas fritas, pão e vinho; de sobremesa um iogurte. Soube-me muito bem, a fome tinha-se acumulado. Conversámos sobre o assunto que nos reunía a todos naquele lugar, quase todos eram espanhóis e, no final, a maioria recolheu aos seus quartos.
Eu ainda tinha trabalho a fazer. Fui buscar a bicicleta, que estava guardada num anexo e desempacotei-a. Já era noite, estava bastante frio e tive que a montar no exterior. Estava a correr tudo bem, até que um dos pedais resolveu não colaborar; não o conseguia apertar. Comecei a desesperar perante a perspectiva de ter que ir para Pamplona de camioneta, no dia seguinte, procurar uma loja de bicicletas.
Felizmente apareceram dois italianos, que também eram ciclistas, um deles teve mais jeito do que eu e o pedal lá ficou no sítio.
Subi para o meu quarto, cheio de frio, tomei um banho bem quente e toca a dormir, que no dia seguinte começava a aventura a sério.

Prólogo

Este é o relato do meu Caminho Francês de Santiago, em bicicleta de montanha, realizado nos primeiros dias de Junho de 2007.

Pretendo deixar aqui, de uma forma resumida, a experiência que foi, para mim, percorrer os quase 800 km entre Roncesvalles e Santiago de Compostela, mas também ajudar quem queira fazer este caminho magnífico.

A ideia de fazer o Caminho Francês começou a tomar forma há cerca de quatro anos, após ter feito, com um grupo de amigos, o Caminho Português, de Braga a Santiago. Foi em Março de 2003 e nesse mesmo ano, em Setembro, viria a fazer o Caminho Primitivo, a partir de Oviedo.

Contudo, os meus companheiros habituais de BTT sempre foram adiando a possibilidade de fazer o Caminho Francês pelos mais variados motivos.

Em Setembro de 2006 repeti o Caminho Português, desta vez em autonomia e decidi que, no ano seguinte, iria fazer o Caminho Francês, nem que fosse sózinho.

Comecei a preparar a minha viagem com bastante antecedência. Passei longas horas a pesquisar na internet, tentando recolher o máximo de informação possível. Li relatos de outros peregrinos em bicicleta, recolhi dados sobre o traçado, mapas, perfis de altimetria, estado dos caminhos, pontos a evitar pelos ciclistas, material necessário, albergues, etc.

Decidi começar em Roncesvalles, nos Pirinéus, que é a primeira localidade espanhola do Caminho Francês.

Para não correr o risco de não ter lugar no albergue de Roncesvalles no dia da minha chegada, reservei um quarto na "Posada de Roncesvalles".

Comprei o bilhete de comboio para o trajecto Vigo-Pamplona e informei-me sobre as ligações de Pamplona para Roncesvalles.

Em Vigo disseram-me que não poderia transportar a bicicleta comigo no comboio, pelo que tive que a despachar pela SEUR três dias antes da minha partida.

Preparei tudo ao pormenor, tendo a preocupação de levar o mínimo de peso, porque é muito complicado ter que carregar com quase dez quilos, além do peso da bicicleta, durante vários dias.

Comprei um suporte para bagagens e respectiva maleta, para prender no espigão do selim, onde levaria a maior parte da carga. O resto, transportei às costas com uma pequena mochila, totalizando perto de oito quilos. Posso dizer que levei o mínimo possível, ou seja, o absolutamente necessário para passar dez dias longe de casa, entregue a mim próprio.

Planeei fazer o caminho em dez dias, com a possibilidade de encurtar para nove, caso as coisas fossem correndo bem. A maior parte dos relatos que li eram entre nove e quinze dias, mas sentia-me capaz de o fazer em dez, o que dava uma média de 80 km por dia.

Posso afirmar que à medida que se aproximava a data da partida, aumentava o stress. Os últimos dias foram terríveis, com a preocupação de não me esquecer de nada e na perspectiva da aventura que tinha pela frente.

Mantive um plano de treinos normal, com uma ou duas saídas por semana, optando por fazer subidas duras e alongando os percursos. Tinha consciência de estar bem físicamente e sabia que não seria por aí que iria fracassar.

Fiz uma revisão normal à bicicleta, troquei de pneus e finalmente tinha tudo preparado.