23 julho 2008

23 de Maio: Espui - El Pont de Suert (abortada)

Depois da tempestade e das inerentes dificuldades do dia anterior, ficámos algo apreensivos com as previsões de continuação do tempo instável para a última etapa.
Neste dia, acordámos e verificámos que se mantinha uma chuva persistente, com um céu cinzento e frio.
Durante o pequeno almoço, conversámos sobre o que tínhamos passado na véspera e aquilo que teriamos de enfrentar neste último dia. Embora não se atigisse os dois mil metros, havia três subidas a ultrapassar e as condições não seriam as melhores.
Por unanimidade decidimos abortar esta etapa e deixá-la para o próximo ano, quando completarmos a Transpirenaica. Creio que tomámos a decisão acertada, embora nos tenha custado ter de abandonar esta primeira parte a um dia do fim.
Arrumámos as nossas coisas e regressámos a Barcelona ao final da tarde, quando nos vieram buscar.
O resto fica para o próximo ano.

19 julho 2008

22 de Maio: Llavorsi - Espui, 59 km





Ninguém imaginava o que nos esperava nesta sétima etapa da Transpirenaica, que estava previsto ser a penúltima desta primeira parte da travessia.

Saímos de Llavorsi com chuva e tempo fresco. O início era por estrada, sempre a subir e tínhamos pela frente cerca de 35 quilómetros de subida, até ao Coll de la Portella, a 2250 metros de altitude.

A chuva parou e deixámos a estrada, para continuar por terra, mas sem grandes problemas, à parte o facto de ser uma subida extensa. A partir dos 1900 metros foram aparecendo zonas com neve, a temperatura ia baixando e recomeçou a chover. As dificuldades foram-se avolumando porque a lama e a neve impediam uma progressão normal. Para complicar mais as coisas, a visibilidade era reduzida e uma tempestade abateu-se sobre nós, com trovões e chuva intensa. Tínhamos pela frente cerca de vinte quilómetros sempre acima dos dois mil metros, voltar para trás estava fora de questão, pelo que a única solução era seguir em frente e tentar sair da alta montanha a salvo. Chegámos a temer o pior, embora ninguém o tenha confessado na altura. Completamente à mercê da tempestade, com um frio intenso e encharcados, tivemos que atravessar zonas com neve pelos joelhos, com as bicicletas às costas e sujeitos a resvalar pela encosta abaixo.

Finalmente atingimos o Coll de Triador, onde tinha início a descida à Vall Fosca. Tínhamos perdido algumas das paisagens mais bonitas da Transpirenaica por falta de visibilidade, mas também tínhamos superado uma tempestade em alta montanha. Mais uma vez íamos completar uma etapa sem almoçar, apenas com água e barritas.

A descida até Espui é simplesmente impressionante. São novecentos metros de desnível, numa pista que estava totalmente enlameada, com precipícios assustadores e muito frio. Finalmente chegámos a Espui, cobertos de lama e enregelados.

Ficámos no Hotel Vall Fosca, onde fomos muito bem tratados e pudemos recuperar das agruras do dia.

21 de Maio: Noves de Segre - Llavorsi, 59 km





Esta etapa resumia-se a uma subida e a consequente descida. O ponto mais alto situava-se a
1725 metros de altitude, no Coll de Leix.

Manhã com céu azul, mas tempo fresco, início por estrada até um cruzamento, perto de Canturri, onde nos desviámos para uma pista em terra em que continuámos a subida. A parte em asfalto incluía zonas muito duras, com rampas bastante acentuadas. Para amenizar a dureza há que salientar que era uma zona de pinheiros, com bastante sombra. A parte final da subida é muito bonita, atravessando vários riachos e sempre com bastante arvoredo.

No alto encontramos a ermida de Sant Joan de l'Erm, onde parámos para tirar umas fotos. Almoçámos no refúgio de La Basseta e continuámos viagem por uma das zonas mais bonitas de toda a travessia, sempre entre pinheiros, de início a descer suavemente e depois, com mais inclinação, uma descida fantástica com vista para o Aneto, o pico mais alto dos Pirinéus.

Os últimos quilómetros da descida são mais duros, com zonas muito pedregosas e mais técnicas, onde o José Luis furou por duas vezes.

A etapa acaba em Llavorsi, localidade dedicada ao rafting. Nós tinhamos previsto uma descida do rio a fazer rafting, mas as condições físicas do Josep Lluis ainda não eram as melhores, pelo que decidimos trocar o rafting pelas habituais cervejas no final da etapa.

Jantar e alojamento no Hotel de Rey.

18 julho 2008

20 de Maio: Bagà - Noves de Segre, 72 km





Este foi o único dia em que houve sol durante toda a etapa. Estava fresco de manhã e nas zonas mais altas sentia-se frio, mas foi preciso recorrer ao protector solar para evitar um escaldão nos braços e pernas.

Subida inicial de cerca de vinte quilómetros até ao Coll de Torn, a 1925 metros de altitude. O caminho consta predominantemente de uma excelente pista em terra, quase sempre com sombra, pois é uma zona de bosques. Esta subida faz-se sem grandes dificuldades, pois as rampas nunca são muito acentuadas. A meio da subida deparamos com a vertente norte da Pedraforca, uma impressionante parede em pedra, que domina toda a paisagem. Já perto do cimo, as árvores acabam e só não sentimos calor porque àquela altitude a temperatura ainda estava baixa.

A descida é das mais complicadas de toda a travessia: muita pedra e valas a fazer redobrar a atenção. Tivemos que carregar as bicicletas em algumas partes, porque era quase impossível transpor alguns obstáculos, pelo menos com as máquinas carregadas.

Resolvemos ir almoçar a Tuixén, uma localidade a meio da descida, mas deparámos com um cenário insólito. Eram talvez duas da tarde, hora normal para almoçar, mas percorremos todo o pueblo e não encontrámos vivalma; todos os cafés e restaurantes estavam fechados e Tuixén parecia uma cidade-fantasma. Apenas conseguimos reabastecer de água numa fonte e seguimos caminho, na esperança de encontrar algum sítio mais adiante. E de facto passámos por um restaurante, ao cruzar uma estrada, onde pudemos almoçar condignamente.

A parte da tarde reservava-nos a subida ao Coll d'Arnat, que não apresentou grandes dificuldades, também por uma pista larga e com bom piso. A descida já tinha mais pedra mas fez-se sem história.

A etapa acabava em Noves de Segre, mas tínhamos reservado alojamento em El Pla de Sant Tirs, a cerca de três quilómetros, que foram feitos pela estrada que liga a Andorra, com bastante trânsito.

Ficámos no Hostal Cal Font.

17 julho 2008

19 de Maio: Planoles - Bagà, 56 km




Embora tivesse amanhecido sem chuva, estava muito frio e as montanhas em volta de Bagà apresentavam uma fina camada de neve, caída durante a noite.

Neste quarto dia tínhamos duas subidas acima dos dois mil metros, a primeira das quais constava de quase 25 quilómetros sempre a subir.

Até à Collada de Toses é sempre por uma estrada quase sem trânsito, com algumas zonas de bastante inclinação, mas com o frio que estava fazia-se perfeitamente.

Depois entrámos numa pista em terra, numa zona de pastagens já em alta montanha, com uma paisagem muito bonita e sem grandes dificuldades técnicas. Nesta zona existem muitas vedações para evitar que os animais fujam; ao passarmos, temos que abrir e fechar as cancelas. Numa delas apanhei um choque eléctrico, pois não sabia que estavam electrificadas e não segurei na pega de borracha. Foi mais o susto que outra coisa, já que a voltagem é pequena, mas foi motivo de risota para todos.

Sensívelmente a partir dos 1800 metros começaram a surgir zonas com neve. O final da subida é na estação de esqui de La Molina, onde parámos para nos prepararmos para a descida ( camisolas térmicas, perneiras, etc.).

A descida faz-se inicialmente por uma pista azul com cerca de dois quilómetros e continua por um single-track entre pinheiros.

Loga a seguir nova subida e também por uma pista da estação de La Molina. Subida duríssima, com zonas de 30% de inclinação, lógicamente feitas a empurrar as bikes. Nesta parte, tivemos que ajudar o Josep Lluis, pois estava bastante maltratado da queda do dia anterior e sentia mais dificuldades a caminhar com a bike do que a pedalar.

Finalmente atingimos o Coll de Pal, a 2110 metros de altitude, onde fazia muito frio, principalmente por causa de um vento cortante que não nos permitiu parar por muito tempo.

Até ao momento, ainda não tínhamos passado por nenhum sítio onde pudéssemos comer, pelo que a nossa salvação foram as barras de cereais que levávamos connosco. Até final desta etapa nada mais comemos, eu passei o dia com água e uma barra.

Começava então a descida do dia: quinze quilómetros, onde passávamos dos 2110 para os 750 metros. Inicialmente o piso era muito pedregoso, pelo que tivemos que moderar o andamento. Mesmo assim foi uma descida fantástica, apesar de cansativa. Não dá para tirar os olhos da pista por um momento que seja, pois uma distracção pode dar direito a uma queda de muitos metros pela encosta abaixo. Fizemos duas ou três paragens durante a descida, sobretudo para tirar fotografias.

Durante este dia avistámos muitos animais, de novo águias e vários cervos, entre outros.

Chegámos a Bagà relativamente cedo e ficámos instalados no Hostal Cal Batista.

16 julho 2008

18 de Maio: Camprodon - Planoles, 60 km




O dia amanheceu com aguaceiros a alternar com breves períodos de sol e temperatura baixa.

Tomámos o pequeno-almoço e esperámos cerca de 45 minutos para ver a evolução das condições meteorológicas.

Decidimos arrancar, mesmo com chuva e, mal tínhamos acabado de sair, o céu cobriu-se por completo e a chuva intensificou-se. Os primeiros quilómetros eram em estrada, mas a chuva e o frio criavam uma situação de desconforto.

Passámos o cruzamento para Tregurà, dando início à subida da manhã, sempre sob uma chuva persistente.

Cerca dos 1400 metros de altitude, em Tregurà de Dalt, a chuva parou e o asfalto dava lugar a uma pista em terra. Com paisagens fantásticas continuámos a subida, que só acabaria no Collet de la Gralla, a 2060 metros. Quase no cimo da montanha, durante uma breve paragem, avistámos duas águias mesmo por cima de nós, a planar. Logo de seguida, recomeçou a chover e tivemos que nos abrigar no refúgio de montanha, onde vestimos as camisolas térmicas, perneiras e impermeáveis, já que a seguir havia uma descida longa e o frio era intenso. Aproveitei alguns jornais deixados no refúgio para colocar no peito, como protecção suplementar.

Os primeiros quilómetros da descida foram penosos. Caía uma chuva gelada, que nos martirizava a cara e, no meu caso, os dedos, pois era o único que não levava luvas com dedos. A meio da descida, a chuva parou e o sol abriu, o que nos permitiu aumentar o ritmo. A consequência foi uma queda aparatosa do Josep Lluis, que se esfarrapou todo. O piso tinha muita pedra solta e algumas curvas apertadas, obrigando a muita prudência, pois eram quase vinte fatigantes quilómetros a descer. Além da queda, houve mais um furo, mas chegámos a Ribes de Freser a tempo de almoçar.

A parte da tarde reservava-nos mais chuva, que práticamente não parou até chegarmos a Planoles. Chegámos já no final da tarde, com bastante frio e desejosos de um banho quente.

Ficámos na Fonda Cal Daldó, onde jantámos e dormimos. A previsão do tempo para o dia seguinte mantinha-se inalterada, com chuva para toda a zona dos Pirinéus.

08 julho 2008

17 de Maio: Albanyà - Camprodon, 65 km




Primeira etapa a sério da Transpirenaica, com a subida ao Coll de Riu logo a abrir o dia, atingindo os mil metros de altitude. Sem ser exigente no capítulo técnico, esta subida tem uma parte final duríssima; mas a descida que vem a seguir compensa plenamente as dificuldades passadas.

O tempo começou a ficar cinzento e, a partir das 13.00, começou a chover. Chuva que foi engrossando até se tornar torrencial. Fizemos bastantes quilómetros a subir práticamente em silêncio, com o ânimo em baixo e na expectativa de encontrar algum sítio onde nos pudéssemos abrigar e almoçar.

Por volta das 16.00, sensívelmente a meio da subida da tarde, encontrámos um restaurante isolado na montanha, onde o casal que o dirigia foi extremamente simpático ao acolher-nos. Permitiu-nos secar e trocar de roupa, além de nos fazer um almoço que parecia caído do céu.

Embora continuasse a chover, mas com menos intensidade, retomámos a subida e enfrentámos um caminho completamente alagado e enlameado, onde não faltaram quedas e mergulhos.

Chegámos a Camprodon ao final da tarde e, nessa noite, ficámos a dormir nos apartamentos que os meus amigos têm nessa localidade. Camprodon é uma bonita vila de montanha, a 950 metros de altitude, onde muitas pessoas de Barcelona têm apartamentos de férias.

Previsão do tempo para o dia seguinte: chuva!


Fotografias 1ª etapa




06 julho 2008

16 de Maio: Llança - Albanyà, 69 km

Levantei-me às 05.30 (04.30 em Portugal), pois tínhamos que sair de Barcelona cedo, para ir buscar o Xavi a Girona e seguir para Llança.
A Transpirenaica começa na estação de comboios de Llança. Montámos as bolsas nas bikes, tomámos o pequeno-almoço num café e, depois das fotografias da praxe, iniciámos a nossa aventura.
O tempo estava encoberto e fresco, ideal para pedalar; esta primeira etapa afigurava-se fácil. Partindo do nível do mar, junto ao Mediterrâneo, tínhamos pela frente um sobe e desce constante, mas sem passar os 400 metros de altitude. Ou seja, era perfeito para fazer a preparação para os dias seguintes.
A etapa não tem muito que contar. Passa-se por algumas pequenas localidades, faz-se um pouco de estrada e o dia passa rápidamente. Almoçámos num sítio muito bonito, um hostal junto a um rio e acabámos a etapa com chuva. Já agora, refira-se que a previsão do tempo não era nada animadora: chuva para toda a semana...
Nessa noite ficámos numa casa rural, a dois quilómetros de Albanyà, com direito a sauna e piscina.

Transpirenaica

Em Setembro do ano passado, mal acabei a Via da Prata, decidi que a próxima aventura iria ser a Transpirenaica.
Comecei a reunir informação na internet e acabei por comprar o melhor guia que existe para se poder levar a cabo esta travessia: "La travesia de los Pirineos en BTT" de Jordi Laparra, editora Prames.
A Transpirenaica consiste em atravessar toda a cordilheira pirenaica, ligando o Mediterrâneo ao Atlântico, ou vice-versa. Se seguirmos as indicações do livro, teremos pela frente dezasseis etapas, com 980 km e um desnível acumulado de quase 23.000 metros. Brutal!
De salientar que, contráriamente aos caminhos de Santiago, esta travessia não tem marcações, pelo que há que recorrer aos mapas que vêm juntamente com o livro e levar GPS, sendo este altamente recomendável (falo por experiência própria).
A primeira questão que se me punha era: sem ninguém interessado em me acompanhar, devia ir sózinho? As dificuldades desta travessia não se comparam com as dos caminhos que já havia feito, por isso receava ir só.
Felizmente, recebi uma proposta irrecusável. Os meus amigos catalães, que tinha conhecido no caminho francês do ano anterior, também se propunham fazer a Transpirenaica e perguntavam-me se os acompanhava. Melhor não podia ser.
O plano era fazer a travessia em duas fases: começar na Catalunha, em Llança e fazer oito etapas até El Pont de Suert; a outra metade ficaria para o próximo ano.
Comecei a organizar a minha deslocação para Barcelona, tendo acabado por decidir levar o meu carro. Assim pude transportar a bike comigo, embora me tenha ficado mais caro do que se fosse de comboio.
Como a travessia começava no dia 16 de Maio, teria que estar em Barcelona na véspera, ao final da tarde. Assim aconteceu, fiz os cerca de 1.100 km entre Braga e Barcelona no meu velhinho Fiat Bravo, que nunca me deixa ficar mal.
Para irmos de Barcelona até Llança, veio um amigo buscar-nos com uma furgoneta, que nos levou a todos mais as bikes. Além dos três companheiros do ano passado, desta vez ia mais um ciclista, Xavi, ou seja, éramos cinco maluquinhos.