28 junho 2007

9 de Junho: Amenal - Santiago de Compostela; 19 km

Monte do Gozo.
Catedral de Santiago.
A minha fiel companheira d
urante o caminho: uma Trek Fuel 98 em carbono.
Levantámo-nos tarde, tomámos o peque-almoço, lavámos as bikes e saímos por volta do meio-dia. O dia estava de sol e com temperatura amena.
Tínhamos que fazer tempo até ao princípio da tarde, por isso fomos pedalando sem pressa. Subimos o Monte do Gozo, a última dificuldade do caminho, a cinco quilómetros de Santiago. Enquanto bebíamos uma cerveja, conversámos com um peregrino que já tinha atravessado grande parte da Europa a caminhar. Vinha da Bósnia e até já tinha passado em Portugal; depois seguiria caminho até ao Vaticano e a seguir até Jerusalém. Tudo documentado com os carimbos dos locais onde estivera. Fantástico!
Ao entrar em Santiago, parámos para almoçar num restaurante italiano; uma refeição leve, mas a pedir duas garrafas de Lambrusco.
Chegámos à Praza do Obradoiro à hora combinada, as esposas dos meus companheiros lá estavam para os fotografar depois desta épica aventura.
A chegada à Catedral de Santiago é uma experiência que não se pode descrever em palavras; o objectivo final depois de tantos quilómetros em cima da bicicleta estava diante de mim.
Fomos à Oficina do Peregrino buscar a Compostela, que é um documento que atesta o cumprimento da peregrinação.
Chegara a hora das despedidas. Eles ficariam essa noite em Santiago e regressavam a Barcelona no domingo. Eu tinha que esperar que me viessem buscar para regressar a Braga.
Apesar de nos conhecermos apenas há nove dias, tínhamos atravessado o norte de Espanha juntos, dos Pirinéus ao Atlântico: foram quase 800 km de sacrifício mas acima de tudo de bons momentos.
Para mim foi o realizar de um sonho antigo e apesar de estar mentalizado para fazer o caminho sózinho, reconheço que foi mais agradável e divertido fazê-lo com os meus três amigos catalães.
Para finalizar, deixo aqui as palavras que mais vezes proferi durante o caminho, ao passar por outros peregrinos: Buen Camino!

8 de Junho: Portomarín - Amenal; 73 km

Catedral de Portomarín.
Marco que assinala a entrada na província da Coruña.
Melide.

Neste dia o telemóvel não tocou para despertar e eu e o Jacky acordámos com os nossos colegas a bater à porta do quarto. Consequentemente saímos duas horas mais tarde que o habitual. Mas não havia pressa, porque podíamos chegar a Santiago no mesmo dia.
Mas os meus companheiros só queriam chegar no dia seguinte, porque as respectivas esposas iam buscá-los a Santiago no sábado e só chegavam por volta das 15.00, mas queriam vê-los a entrar na Praza do Obradoiro em cima das bikes. Assim, resolvemos ir até perto de Santiago e deixar alguns quilómetros para o dia seguinte.
A etapa desse dia era de constante sobe e desce. Sem dificuldades aparentes, acaba por massacrar bastante as pernas. Saímos de Portomarín com tempo fresco e céu encoberto, perfeito para pedalar. Como já vinha sendo hábito, o dia começava com uma subida.
Fizémos parte da manhã em conjunto com os dois outros grupos de ciclistas, mas a certa altura eles seguiram pela estrada e nós continuámos pelo caminho.
Acabámos por os reencontrar em Melide, na pulpería onde parámos para almoçar. O polvo estava fantástico e foi bem regado com cerveja e vinho tinto.
Depois do almoço começou a chover, o que até me soube bem. Aliás, a paisagem galega e o tempo fresco e húmido faziam-me sentir em casa. Curiosamente e apesar dos mais de 700 quilómetros nas pernas e da tendinite, nesse dia sentia-me numa forma fantástica.
Já perto de Santiago, tivémos dificuldades em arranjar alojamento, pois havias festas na zona e estava tudo cheio.
À noite apanhámos um táxi e fomos jantar a Santiago com os restantes companheiros ciclistas. Foi um jantar memorável. Comemos, bebemos e fizemos a festa. Saímos do restaurante à 1.30 da madrugada depois de muita cerveja, albariño e chupitos.

7 de Junho; Villafranca del Bierzo - Portomarín; 91 km

O Cebreiro
Km 100: já faltava pouco.
Portomarín e o rio Miño.

Esta era a etapa-rainha do Caminho Francês de Santiago. A subida ao Cebreiro é a mais temida e tem algo de místico para todos os que fazem o caminho, além de ser a porta de entrada na Galiza.
Saímos de Villafranca com 8 graus, mas com céu azul. Os primeiros vinte quilómetros são quase planos. O caminho segue entalado entre montanhas junto ao rio Valcarce, além de acompanhar e cruzar várias vezes a nacional 6 e a auto-estrada. Apesar de estar sol, toda essa parte era sombria e fria.
A partir de Herrerías começava a parte a doer. Cruza-se mais uma vez o rio e entra-se numa estrada secundária, em asfalto. Há indicações para os ciclistas seguirem pela estrada, enquanto os peregrinos a pé podem ir pelo caminho. A subida é tremenda; até ao Cebreiro são quase dez quilómetros, mas sem zonas de recuperação. Apenas ao atravessar Laguna de Castilla - o último pueblo da província de León - se consegue recuperar um bocado. Demorámos três horas para fazer os 28 km de Villafranca ao Cebreiro.
A minha tendinite tinha-se agravado bastante e o joelho doía-me imenso; foi com muito sacrifício que fiz esta subida, mas nem imaginava o que vinha a seguir. O Cebreiro está a 1300 metros de altitude e a seguir não se desce, bem pelo contrário. Ou melhor, desce-se um pouco para logo voltar a subir. Há mais duas subidas, com bastante gravilha, a última culmina no alto do Poio, a 1313 metros, onde começa a descida para Triacastela. Parámos para beber a primeira cerveja na Galiza e iniciámos a descida. Tinham-nos aconselhado a descer pela estrada, por ser mais seguro para os ciclistas, mas após os primeiros quilómetros metemos pelo caminho e não nos arrependemos. A descida era belíssima, embora tivesse partes onde o bom senso aconselhava a não abusar, além do cuidado a ter com os peregrinos que vão a caminhar. A parte final, através de bosques, é muito bonita.
Parámos em Triacastela para almoçar e repor forças para a tarde, pois as dificuldades ainda não tinham acabado. A tarde estava quente e levámos logo com a subida de San Xil, para ajudar à digestão. Depois havia uma longa descida até Sarria, onde parámos para mais uma cerveja e para eu ir à farmácia comprar um anti-inflamatório.
O caminho continua numa sucessão de subidas e descidas típicas dos caminhos galegos e passámos o km 100, que nos dá um alento extra para o que ainda falta.
A entrada em Portomarín faz-se cruzando a ponte sobre o rio Miño. Arranjámos alojamento num hostal junto à catedral e jantámos numa esplanada vizinha. Jantámos em conjunto com os quatro ciclistas de Huesca e os dois catalães e o jantar prolongou-se até tarde, pois a sensação de estar perto de Santiago já nos dava vontade de festejar antecipadamente. O jantar constou de diversas tapas acompanhadas por Albariño (sim, Albariño galego, que também é muito bom).
Mas a dureza do dia justificava que se comemorasse devidamente.

27 junho 2007

6 de Junho: Astorga - Villafranca del Bierzo; 80 km

Cruz de Ferro.
Depois de Astorga: início da subida.

Molinaseca
Ao sexto dia começavam as etapas de montanha. Era o dia da subida à Cruz de Ferro, acima dos 1500 metros de altitude.
Mais um dia de céu azul e a prometer calor. Saímos de Astorga e passámos numa pequena capela, de onde se podiam retirar uns papéis, em várias línguas, com uma oração referente ao Caminho.
Os primeiros quilómetros foram agradáveis; o caminho subia suavemente e o piso era bom, pelo que deu para aquecer os músculos para a subida. Nesta manhã, passámos por muitos peregrinos a pé; aliás, à medida que nos aproximávamos de Santiago, iam aumentando os peregrinos.
Não se pode dizer que a subida à Cruz de Ferro seja muito exigente, embora os últimos quilómetros custem um bocado. O desnível aumenta e o caminho torna-se mais técnico, com muita pedra solta. Chegados à Cruz de Ferro e depois das fotografias da praxe, desce-se um bocado para logo voltar a subir e atingir a cota mais alta do Caminho Francês, a 1515 metros.
A descida não foi feita pelo caminho, já que é altamente recomendado aos ciclistas fazê-la pela estrada. E mesmo assim é uma descida vertiginosa, em que os travões sofrem imenso. Até Molinaseca são onze quilómetros e 900 metros de desnível. Passámos em Acebo, uma pequena localidade muito bonita a meio da descida.
Molinaseca tem uma piscina natural no rio que atravessa a vila. A água é retida com uma comporta e forma uma piscina.
Parámos em Ponferrada para almoçar e para o Jacky levar a bike a uma oficina, pois estava a perder óleo no travão traseiro. Almoçámos num restaurante italiano, naquela que terá sido uma das melhores refeições do caminho.
Como estava muito calor e a oficina só reabria às 16.30, sentámo-nos numa esplanada, à sombra, para fazer tempo. Fizemos a "siesta" e só arrancámos já passava das 17.00. A saída de Ponferrada também foi complicada porque a sinalização era escassa.
Até Cacabelos o caminho era fácil, mas depois havia três subidas com muita pedra o que, a acrescentar ao calor, tornaram o final da etapa algo penoso.
Chegámos a Villafranca del Bierzo ao final da tarde e tratámos de arranjar alojamento. Jantámos numa esplanada na praça central da vila já com a perspectiva da subida ao Cebreiro no dia seguinte.

26 junho 2007

5 de Junho: Sahagun - Astorga; 112 km

Chegada a León.
Catedral de León.
Catedral de Astorga.

Esta foi uma das etapas menos interessantes, porque não tinha grandes dificuldades, exceptuando a longa quilometragem.
O dia amanheceu fresco mas com um céu azul, a prenunciar um dia quente. A manhã não teve muito que contar, já que o percurso era essencialmente plano, em parte por estradas secundárias.
Deu para relaxar e conversar um pouco enquanto pedalávamos. Antes de León aproveitámos para lavar e lubrificar as bikes, já a pensar nos dias seguintes, em que iam começar as subidas a sério.
Almoçámos em León, tirámos fotografias e estivémos algum tempo numa esplanada a tomar café e a comer um gelado. Não havia pressa e a tarde estava quente.
Sair de León foi complicado; a sinalização era escassa e perdemos bastante tempo até encontrar o caminho.
Até Astorga tínhamos ainda cerca de 50 km, que decorrem por um caminho quase sempre paralelo à estrada nacional 120. O piso é em gravilha e acaba por se tornar algo aborrecido. Para mim foi complicado, porque a lesão que me apoquentava não dava sinais de abrandar.
Antes de Astorga, há uma subida com bastante pedra, que acabou por ser a parte mais difícil do dia.
Astorga é uma cidade pequena, mas tem uma catedral belíssima.
Instalámo-nos num hostal, por sinal o pior de todo o caminho, mas compensámos com um excelente jantar num restaurante italiano, devidamente regado com Lambrusco.
O nosso pensamento estava já na subida à Cruz de Ferro, que nos esperava no dia seguinte.

23 junho 2007

4 de Junho: Burgos - Sahagun; 125 km

Castrojeriz
Alto de Mostelares
Entrada em Carrión de los Condes

Começámos o dia a consertar um furo na bicicleta do Josep Lluis.
Saímos de Burgos com o céu encoberto e frio. Inicialmente estava previsto acabar a etapa em Carrión de los Condes, mas a manhã correu muito bem, o perfil da etapa não era difícil, à excepção de uma subida e deu para avançar a bom ritmo.
A paisagem mantinha-se igual ao dia anterior: campos de trigo e colinas verdes. Ao longo da manhã o sol foi rompendo as nuvens e o tempo começou a aquecer, mas perfeitamente suportável. O meu maior receio nesta zona de Espanha era o calor, mas acabei por ter que enfrentar um inimigo bem diferente: uma tendinite e uma inflamação no joelho esquerdo.
Para quebrar a monotonia da manhã, tivemos uma subida bastante dura: o alto de Mostelares. Não eram mais de dois quilómetros, mas com um desnível acentuado. A descida, por seu lado, era vertiginosa e tornava-se perigosa porque o piso era de gravilha. Com o peso da bagagem, torna-se mais complicado controlar a bike nas descidas.
Parámos em Frómista para almoçar e eu tive que comer novamente um bocadillo de tortilla com batatas, acompanhado das cervejas habituais. Estava bastante calor e arrancámos com calma. Um dos meus companheiros, o Jacky, estava a ter problemas com o travão traseiro, pelo que tivemos que parar em Carrión de los Condes, numa oficina, para solucionar o problema. Eu aproveitei para ir a uma farmácia comprar pomada anti-inflamatória, já que as dores no tendão estavam a aumentar. De referir que o Jose Luis era médico e todos eles vinham apetrechados com pomada e comprimidos anti-inflamatórios, entre outras coisas.
Como ainda era cedo, resolvemos continuar e, se possível, chegar a Sahagun.
Seguimos viagem e enfrentámos uma das partes mais solitárias do caminho: um troço de quase vinte quilómetros sem avistar sequer uma casa. Percorremos um bocado da calçada romana que ligava Bordéus a Astorga. Aqui, o Josep Lluis teve um furo, que seria o último de todo o caminho.
Nesta etapa encontrámos um grupo de ciclistas de Huesca, uma ciclista incluída, que também faziam o caminho e também dois catalães. Estes dois grupos iriam cruzar-se connosco todos os dias até final, pelo que chegámos a fazer alguns quilómetros em conjunto. Apesar de eles fazerem algumas partes por estrada, acabámos por nos encontrar em todos os finais de etapa até Santiago.
Os albergues por onde íamos passando estavam invariávelmente cheios. Quando chegámos a Sahagun, fomos ao albergue, que ainda tinha lugares. Pagámos quatro euros e subimos às camaratas, mas as condições não eram as melhores, pelo que saímos e ficámos num hostal do outro lado da rua.
Depois do banho, como já era um pouco tarde, resolvemos comer no hostal, onde também estava a jantar o grupo de Huesca e assim acabou o dia.

22 junho 2007

3 de Junho: Azofra - Burgos; 90 km


Igreja em Burgos.
Catedral de Burgos.

Terceiro dia do caminho. Conforme havia sido combinado na véspera, os meus três companheiros telefonaram-me de Nájera e eu disse-lhes que esperava por eles em Azofra.
Enquanto esperava, tomei o pequeno-almoço e preparei a bike. Arrancámos para uma etapa em que se previam algumas dificuldades. Os primeiros 60 km eram predominantemente a subir e pela primeira vez iríamos ultrapassar os mil metros de altitude.
Deixámos a região de La Rioja e entrámos em Castilla y León. Encontrámos um grupo de mexicanas que também faziam o caminho em bicicleta, mas vinham com carro de apoio.
Até chegar a Villafranca Montes de Oca não houve grandes problemas. O dia tinha começado fresco, mas ia aquecendo gradualmente. Logo à saída de Villafranca, uma rampa bastante acentuada preparou-nos para a subida que se avizinhava. Foram cerca de cinco quilómetros sempre a subir, com zonas de maior inclinação. Mas, chegados ao alto, pudemos disfrutar de uma paisagem fantástica sobre as serras da província de Burgos.
Para compensar a dureza da subida, seguiu-se uma zona de bosques, a princípio plana e depois a descer suavemente. Durante cerca de sete quilómetros deu para pedalar com rapidez, quase sempre no prato grande. O caminho era largo, com bom piso e muito rápido, embora tivesse algumas partes com pedra solta.
Parámos para almoçar em San Juán de Ortega, um pueblo muito pequeno, mas onde comi um excelente bocadillo de tortilla com batatas, acompanhado por duas cervejas.
Para Burgos faltavam menos de trinta quilómetros, que foram feitos sem problemas. Na parte final, o caminho corre quase sempre paralelo à estrada nacional 120. Chegámos a Burgos às 17.00 e fomos procurar o albergue. Como estava quase cheio, informáram-nos que teríamos de esperar até às 19.00, pois os peregrinos a pé têm prioridade.Resolvemos ir procurar alojamento e ficámos num hostal ali perto.
Como tínhamos chegado cedo, fomos para o centro histórico de Burgos e visitámos a catedral, que é muito bonita. O jantar foi excelente, os espanhóis também sabem fazer leitão (cochinillo) e o vinho de La Rioja acompanhou muito bem.
Após três dias de caminho, sentia-me muito bem físicamente e preparava-me para as etapas mais planas de Castilla, antes da entrada na Galiza, onde começariam as verdadeiras dificuldades.

20 junho 2007

2 de Junho: Puente la Reina - Azofra; 114 km

Fonte do vinho, em Irache.
Pormenor do caminho.
Igreja em Estella/Lizarra.
O dia começou fresco mas sem chuva. Esta etapa, que teóricamente não apresentava grandes dificuldades, acabou por ser extremamente cansativa e o final foi mesmo penoso.
Sem subidas muito exigentes, foi contudo um constante sobe e desce, que se torna num verdadeiro rompe-pernas.
Passámos na fonte do vinho, junto ao mosteiro de Irache. A paisagem é muito bonita, quase sempre através de vinhas e campos de trigo, que nesta época estão todos verdes. Esta é a famosa zona de vinhos de La Rioja.
O almoço foi em Viana, mais uma vez um bocadillo e cervejas. Nessa altura, já tínhamos percorrido mais de 60 km e não imaginavamos o que nos esperava de tarde.
Antes de chegar a Logroño, encontrámos uma senhora, que tem uma banca montada junto ao caminho, com água e o seu carimbo para os peregrinos. Segundo nos contou, já a sua mãe havia feito o mesmo durante vinte anos. Já é uma figura típica do caminho.
Atravessar Logroño foi complicado, como de resto em todas as cidades grandes. As flechas amarelas quase que desaparecem e resta-nos a solução de pedir a colaboração dos habitantes, nem sempre bem informados sobre o caminho.
A parte final da etapa reservava-nos uma subida puxadinha. Além de nos termos perdido numa zona em que o caminho se cruza com as obras de uma auto-estrada, fizemos um pequeno troço por estrada, a subir, que custou bastante.
Chegámos a Nájera ao final da tarde. O albergue estava cheio. Havia a possibilidade de dormir no pavilhão desportivo, mas no chão: nem pensar, depois de um dia destes. Como era sábado, informaram-nos que seria difícil arranjar alojamento na localidade. Os meus três companheiros tinham combinado com um amigo encontrar-se e jantar em Nájera nessa noite, pelo que tentaram, e conseguiram, um quarto num hostal.
Eu segui viagem, sózinho, para a localidade seguinte. Ficava apenas a 6 km, mas avisaram-me que era quase sempre a subir. Com mais de 100 km nas pernas e sem ter a certeza de conseguir alojamento, lá me fiz ao caminho. Pedalei como não imaginava que ainda o conseguisse naquela altura e cheguei a Azofra exausto.
O albergue estava cheio, mas a senhora que lá estava disse-me que podia dormir na escola do pueblo, para onde já tinha encaminhado outros ciclistas. Além disso, podia tomar banho no albergue. Paguei 5 euros, tomei banho, o albergue era excelente, e de seguida fui para a escola. Numa sala de aulas no primeiro andar tinham colocado algumas camas, com um colchão. Havia uma casa de banho e as bikes podiam ficar dentro da sala.
Fui jantar sózinho, estava esfomeado e só pensava em comer e beber umas cervejas. Foi o que fiz, de tal maneira que no final me arrependi de ter comido tanto para dormir de seguida.
Custou-me a adormecer, mas acabei por dormir melhor do que pensava.

19 junho 2007

1 de Junho: Roncesvalles - Puente la Reina; 68 km




O primeiro dia amanheceu com chuva e frio. Fui buscar a bicicleta, montei o porta-bagagens e fui de seguida tomar o pequeno-almoço.


Mal saí da pousada, lamentei o facto de só ter trazido calções curtos e luvas sem dedos. Não estariam mais de 5 graus e a chuva aumentava o desconforto. Fui-me mentalizando para o que me esperava neste primeiro dia: frio e lama.


Pequeno-almoço tomado, aguardava uma aberta na chuva para começar o meu caminho, quando apareceram três ciclistas a abrigar-se na entrada da pousada. Como a chuva não dava sinais de passar, fomos conversando sobre o que nos tinha levado ali. Eles eram catalães, de Barcelona e também pretendiam fazer o Caminho Francês, mas em nove dias. Estavam bastante melhor equipados do que eu, já que traziam perneiras, camisolas térmicas e luvas com dedos.


Entretanto, a chuva abrandou e eles perguntaram-me se arrancava com eles. Lá fui e acabámos por fazer o caminho juntos até ao fim. Aqui ficam os respectivos nomes: Jacky, Jose Luis e Josep Lluis.


Ao fim dos primeiros metros, já me encontrava coberto de lama. A chuva não deu tréguas durante a manhã e o frio só se foi atenuando à medida que a altitude baixava. Dessa manhã recordo a descida a seguir ao Alto de Erro, com muita pedra, lama, escorregadia e perigosa. Houve zonas em que tivemos que desmontar das bikes e empurrá-las. Recordo também um single-track, junto a um rio, simplesmente fabuloso. Passámos pelo sítio em que se presta homenagem a um peregrino japonês que morreu no caminho. Estava lá um peregrino francês, com barbas brancas e já de idade avançada, que vinha a caminhar desde a sua casa; ia fazer 2000 km até Santiago e depois regressava também a pé.


Chegámos a Pamplona cobertos de lama e resolvemos parar para almoçar. Um bocadillo e umas cervejas foram o suficiente para reanimar, já que após Pamplona tínhamos a subida mais difícil do dia.


Passámos numa estação de serviço para lavar as bikes, que bem precisavam, e deixámos a cidade de Pamplona para trás. O tempo tinha melhorado. Já não chovia e a temperatura estava mais amena.


O Alto del Perdón estava envolto por nuvens quando iniciamos a subida. Posso dizer que não achei que fosse tão difícil como se dizia; aliás, o que me assustava era a descida, pois recomendavam aos ciclistas para descerem pela estrada.


Chegados ao alto, tirámos algumas fotografias junto ao monumento aos peregrinos. Como a chuva tinha parado, resolvemos arriscar a descida pelo caminho, apesar das recomendações.
Aquilo parecia um rio de pedras. Toda a descida estava coberta por um tapete de pedras soltas, que tornava o controlo da bike muito difícil. Contudo, apesar do massacre que foi para o corpo e para as máquinas, ninguém caiu e chegámos a salvo a Puente la Reina. Com outras condições atmosféricas, seguramente que poderíamos ter feito mais quilómetros, mas para primeiro dia não estava mal.
Destaco nesta etapa a localidade de Obanos, um pueblo pequeno mas muito bonito.
Instalámo-nos no albergue de peregrinos, com sítio para guardar bicicletas e com condições razoáveis.
Nesse dia, ao jantar, optámos pelo menú do peregrino: sopa de grão-de-bico, frango, sobremesa, pão e vinho.
No fim de jantar recolhemos ao albergue já a pensar no dia seguinte.





15 junho 2007

Dia 0 - 31 Maio

O dia tão esperado tinha finalmente chegado. O comboio partia de Vigo às 07.35, em Portugal era uma hora a menos, pelo que houve que madrugar. O meu irmão João Pedro veio-me buscar a casa às 05.15 e seguimos para Vigo.
O dia estava de chuva, tal como os anteriores. Passada uma hora, estávamos na estação de Vigo, quase deserta àquela hora. Como a viagem ia ser longa, comprei uma revista para entreter, despedi-me do meu irmão e entrei na carruagem, de onde só iria sair passadas quase 10 horas.
A viagem foi aborrecida, como é evidente. O tempo custava a passar e apesar de ter dormido pouco nessa noite, não tinha sono nenhum. Nem sono nem fome, de maneira que nem almocei. A paisagem ia passando e eu ia-me vendo aquilo que teria de atravessar em sentido inverso nos dias seguintes.
Reconheço que ia apreensivo, mas desejoso de começar. Além disso, esperava que a bicicleta tivesse chegado em boas condições.
Às 17.15 cheguei a Pamplona. Ainda na estação comi um bocadillo e saí. Sabia que havia um autocarro para Roncesvalles às 18.00, mas fui perguntar a um taxista quanto ficava a viagem em táxi. Respondeu-me que seriam € 55,00, pelo que lhe pedi que me levasse à estação das camionetas.
Faltavam 10 minutos para as seis, comprei o bilhete (€ 4,50) e esperei pela chegada da camioneta, junto com muitos peregrinos que estavam lá pela mesma razão. Posso dizer que aqui tive o primeiro contacto com o ambiente do caminho.
A viagem demorou cerca de hora e meia, o tempo continuava instável, com aguaceiros a alternar com o sol.
Mal cheguei a Roncesvalles, fui pousar as minhas coisas à Pousada e perguntar pela bicicleta. Tinha chegado, felizmente, mas só a iria preparar mais tarde, porque antes tinha muito que fazer.
Pedi para me reservarem um menu do pregrino (€ 8,00) e foi-me dito que seria servido às 20.30 em ponto.
Fui à Colegiata para pedir a credencial onde iria pôr os carimbos ao longo do percurso. A Colegiata tinha fechado há pouco, mas informaram-me que poderia obter a credencial no albergue de peregrinos. Fui atendido por duas senhoras que não falavam espanhol e paguei um euro.
De seguida fui à missa do peregrino, que começava às 20.00. Esta missa é obrigatória e é muito bonita: foi celebrada por quatro padres e no final procederam à bênção dos peregrinos presentes.
Como a missa acabou cinco minutos depois das 20.30, dirigi-me de imediato para a pousada, curioso com a necessidade de ser pontual para o jantar.
Quando entrei no restaurante, encaminharam-me para uma mesa e só aí percebi o porquê de o jantar ser às 20.30 em ponto. Numa mesa redonda encontravam-se já algumas pessoas a que me juntei. No total seríamos cerca de doze pessoas e o jantar foi servido em conjunto: sopa de feijão vermelho, truta com batatas fritas, pão e vinho; de sobremesa um iogurte. Soube-me muito bem, a fome tinha-se acumulado. Conversámos sobre o assunto que nos reunía a todos naquele lugar, quase todos eram espanhóis e, no final, a maioria recolheu aos seus quartos.
Eu ainda tinha trabalho a fazer. Fui buscar a bicicleta, que estava guardada num anexo e desempacotei-a. Já era noite, estava bastante frio e tive que a montar no exterior. Estava a correr tudo bem, até que um dos pedais resolveu não colaborar; não o conseguia apertar. Comecei a desesperar perante a perspectiva de ter que ir para Pamplona de camioneta, no dia seguinte, procurar uma loja de bicicletas.
Felizmente apareceram dois italianos, que também eram ciclistas, um deles teve mais jeito do que eu e o pedal lá ficou no sítio.
Subi para o meu quarto, cheio de frio, tomei um banho bem quente e toca a dormir, que no dia seguinte começava a aventura a sério.

Prólogo

Este é o relato do meu Caminho Francês de Santiago, em bicicleta de montanha, realizado nos primeiros dias de Junho de 2007.

Pretendo deixar aqui, de uma forma resumida, a experiência que foi, para mim, percorrer os quase 800 km entre Roncesvalles e Santiago de Compostela, mas também ajudar quem queira fazer este caminho magnífico.

A ideia de fazer o Caminho Francês começou a tomar forma há cerca de quatro anos, após ter feito, com um grupo de amigos, o Caminho Português, de Braga a Santiago. Foi em Março de 2003 e nesse mesmo ano, em Setembro, viria a fazer o Caminho Primitivo, a partir de Oviedo.

Contudo, os meus companheiros habituais de BTT sempre foram adiando a possibilidade de fazer o Caminho Francês pelos mais variados motivos.

Em Setembro de 2006 repeti o Caminho Português, desta vez em autonomia e decidi que, no ano seguinte, iria fazer o Caminho Francês, nem que fosse sózinho.

Comecei a preparar a minha viagem com bastante antecedência. Passei longas horas a pesquisar na internet, tentando recolher o máximo de informação possível. Li relatos de outros peregrinos em bicicleta, recolhi dados sobre o traçado, mapas, perfis de altimetria, estado dos caminhos, pontos a evitar pelos ciclistas, material necessário, albergues, etc.

Decidi começar em Roncesvalles, nos Pirinéus, que é a primeira localidade espanhola do Caminho Francês.

Para não correr o risco de não ter lugar no albergue de Roncesvalles no dia da minha chegada, reservei um quarto na "Posada de Roncesvalles".

Comprei o bilhete de comboio para o trajecto Vigo-Pamplona e informei-me sobre as ligações de Pamplona para Roncesvalles.

Em Vigo disseram-me que não poderia transportar a bicicleta comigo no comboio, pelo que tive que a despachar pela SEUR três dias antes da minha partida.

Preparei tudo ao pormenor, tendo a preocupação de levar o mínimo de peso, porque é muito complicado ter que carregar com quase dez quilos, além do peso da bicicleta, durante vários dias.

Comprei um suporte para bagagens e respectiva maleta, para prender no espigão do selim, onde levaria a maior parte da carga. O resto, transportei às costas com uma pequena mochila, totalizando perto de oito quilos. Posso dizer que levei o mínimo possível, ou seja, o absolutamente necessário para passar dez dias longe de casa, entregue a mim próprio.

Planeei fazer o caminho em dez dias, com a possibilidade de encurtar para nove, caso as coisas fossem correndo bem. A maior parte dos relatos que li eram entre nove e quinze dias, mas sentia-me capaz de o fazer em dez, o que dava uma média de 80 km por dia.

Posso afirmar que à medida que se aproximava a data da partida, aumentava o stress. Os últimos dias foram terríveis, com a preocupação de não me esquecer de nada e na perspectiva da aventura que tinha pela frente.

Mantive um plano de treinos normal, com uma ou duas saídas por semana, optando por fazer subidas duras e alongando os percursos. Tinha consciência de estar bem físicamente e sabia que não seria por aí que iria fracassar.

Fiz uma revisão normal à bicicleta, troquei de pneus e finalmente tinha tudo preparado.